A recente assinatura de um decreto pelo presidente americano, Donald J. Trump negando cidadania a crianças nascidas em solo americano cujos pais estejam em situação irregular, é um grave ataque aos valores que moldaram os Estados Unidos como uma nação de direitos e oportunidades. Esta decisão não apenas desafia a Décima Quarta Emenda da Constituição, mas ameaça minar os alicerces filosóficos e históricos que sustentam a democracia americana.
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Adotada em 9 de julho de 1868, a Décima Quarta Emenda, conhecida como jus soli(direito de solo), surgiu em resposta às profundas injustiças vividas pelos afro-americanos após a Guerra Civil,, especialmente os antigos escravizados que, apesar da abolição da escravidão, ainda enfrentavam discriminação estrutural e exclusão política. O Caso Dred Scott v. Sandford (1857), no qual a Suprema Corte declarou que negros, mesmo livres, não poderiam ser considerados cidadãos americanos, foi um dos grandes motivadores para a criação da emenda. Este marco buscou corrigir uma das maiores falhas da história jurídica americana, assegurando cidadania a todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos.
O principal idealista por trás da Décima Quarta Emenda foi o senador John Bingham, de Ohio, conhecido como um dos "pais da Reconstrução". Bingham acreditava profundamente nos ideais de igualdade e justiça e trabalhou incansavelmente para garantir que os direitos fundamentais fossem reconhecidos e protegidos pela Constituição. Sua visão ajudou a lançar as bases de uma sociedade que, mesmo imperfeita, visava promover a inclusão e a dignidade para todos.
Felizmente, a resposta jurídica à decisão presidencial foi rápida. Procuradores de 18 Estados americanos, em conjunto com associações de direitos humanos, ingressaram com uma medida judicial para derrubar o decreto, defendendo a integridade da Décima Quarta Emenda e preservando a estabilidade constitucional. Este gesto demonstra que ainda há um compromisso coletivo em proteger os direitos fundamentais e impedir retrocessos.
A decisão do presidente também suscita reflexões filosóficas profundas. John Locke, um dos principais teóricos do contrato social, argumentava que os direitos à vida, à liberdade e à propriedade são inalienáveis e universais. Ao negar cidadania com base no status migratório dos pais, o decreto ataca o conceito de direitos naturais, desumanizando indivíduos desde o nascimento. Este ato se afasta da ideia de que o Estado deve existir para proteger, e não restringir, os direitos fundamentais.
Historicamente, os Estados Unidos prosperaram justamente por abraçarem a diversidade e oferecerem oportunidades a quem buscava um novo começo. A medida contradiz este espírito, transformando a cidadania em um privilégio arbitrário e não em um direito intrínseco. Além disso, negar cidadania a crianças nascidas no país é criar gerações de apátridas, um cenário que o Direito Internacional Humanitário busca evitar a todo custo.
A luta pela preservação da Décima Quarta Emenda não é apenas um embate jurídico, mas uma reafirmação de valores universais que transcendem fronteiras. Que esta crise seja um alerta sobre os perigos de políticas regressivas e um chamado para que os Estados Unidos permaneçam fiéis à promessa de liberdade, igualdade e dignidade para todos.
Na foto, retrato do Senador americado, John A. Bingham de Ohio, o autor principal (autor) da Décima Quarta Emenda.
Por: Dr. Valter Pietrobom Junior
Advogado – OAB/SP 392.366
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